ARTIGO

Quando o Varejo Assume o Volante: Como a Marca Própria Coloca o Destino do Negócio nas Mãos do Empresário

Introdução

Doug Rauch, presidente da Trader Joe’s, um empresário de notável excelência, disse certa vez:

“Começamos criando produtos próprios para colocar nosso destino em nossas próprias mãos.”

 

Não foi apenas uma declaração, foi um manifesto. Trader Joe’s opera com 80% de mix em marcas próprias, e exatamente por isso se tornou referência mundial em diferenciação, margem e fidelização.

No Brasil, o tema ainda é tratado com reserva. Mas apostar em marca própria não é apenas ampliar margem. É assumir o volante estratégico do negócio. Quando a lealdade do consumidor está com o fabricante, o varejo é vitrine. Quando a lealdade está com a marca própria, o varejo é protagonista.

Desenvolvimento

O modelo tradicional brasileiro ainda gira em torno da dependência das grandes indústrias. O consumidor entra na loja para buscar a marca de fabricante que viu na propaganda. A loja apenas intermedeia. O valor, a margem e a fidelidade pertencem à indústria.

Trader Joe’s mostrou que existe outro caminho. Ao colocar no centro produtos exclusivos, obrigou o cliente a associar qualidade e identidade à sua própria bandeira. O mesmo se observa em mercados maduros. Nos Estados Unidos, as marcas próprias já representam 20,7% das vendas em unidades no setor de mercearia, movimentando US$ 236 bilhões em 2023 (PLMA, 2023).

Na América Latina, a penetração alcança 10% a 15% das vendas em supermercados modernos. No Brasil, os números ainda são menores, mas expressivos: 7% do faturamento do setor já vem de marcas próprias, com 34% dos lares consumindo regularmente e uma economia média de 30% frente às marcas tradicionais (Abmapro/Nielsen, 2023).

Há sinais claros de aceleração. No Carrefour Brasil, a participação de marcas próprias no e-commerce saltou de 9,8% no primeiro trimestre de 2022 para 13,7% no terceiro trimestre de 2023 (Euromonitor, 2023). E 20% dos brasileiros declaram que pretendem aumentar o consumo de marcas próprias nos próximos 12 meses, acima da média latino-americana de 16% (Euromonitor, 2023).

O gráfico a seguir ilustra bem essa curva. Nos Estados Unidos, as vendas de alimentos e bebidas de marca própria passaram de US$ 76,3 bilhões em 2016 para US$ 111,5 bilhões em 2022. Projeções indicam que devem chegar a US$ 143,1 bilhões até 2029 (Data Bridge Market Research, 2023). E o avanço não para: apenas no primeiro semestre de 2023, as vendas cresceram 8,2% em valor, totalizando US$ 108 bilhões, puxadas por bebidas (+19%), alimentos gerais (+16%) e produtos refrigerados (+16%).

 

Gráfico 1: Vendas de Alimentos e Bebidas de Marcas Próprias nos Estados Unidos

 

No Brasil, a trajetória começa a ecoar esses movimentos. A rede Panvel consolidou sua marca própria como diferencial estratégico, reforçando fidelidade e competitividade no setor farmacêutico. O exemplo mostra que não se trata apenas de preço, mas de valor percebido, branding e consistência.

Evidentemente, há barreiras. Pesquisas ainda apontam riscos percebidos em categorias sensíveis, como bebidas não alcoólicas, relacionados a fatores funcionais, financeiros e até sociais. Mas exatamente por isso a execução deve ser séria, profissional e sustentada em qualidade. Marca própria não é improviso, é estratégia.

Conclusão

Quando Doug Rauch disse que criou produtos próprios para assumir o destino da Trader Joe’s, ele se referia à soberania do varejo. Soberania que se traduz em margens mais altas, maior poder de negociação e fidelização que pertence à loja, não ao fabricante.

O Brasil ainda aparece com modestos 7% de participação, mas a curva de crescimento é clara. Um terço dos lares já consome regularmente e um quinto da população pretende ampliar esse consumo em 2024. O movimento não é especulação: é realidade em aceleração.

O dilema é simples e inevitável: o empresário brasileiro continuará como vitrine de marcas que drenam margem e concentram lealdade na indústria, ou terá a ousadia de assumir o volante?

 

A marca própria é, antes de tudo, a liberdade do varejo de escrever o seu próprio futuro.
Daniel Neri
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